Jamais o povo palestino teve seu estado reconhecido, faltou nesse momento, pela própria ONU, uma vontade maior, dizem os especialistas, uma articulação que materialmente pudesse atender também às necessidades do povo mulçumano. E o resto é História, caro Aranha. E a História tem sido de horror nesse pedaço de terra santa
Osvaldo Aranha na 1ª Assembleia Especial da ONU. Foto: O Globo |
Por Wil Delarte
Caro diplomata, não sei bem como dizer o que tenho para dizer, mas vou começar com uma frase sua que atravessou o século e chegou, com certo sabor estranho, até nós:
“Tenho fé no Brasil e sempre afirmei e repeti que ele seria grande com, sem e até contra a nossa vontade”.
O Brasil, caro amigo, segue grande à sua maneira, politizado ao extremo nesse momento e ainda tentando entender o que isso significa... Mas não é para falar do nosso país que te escrevo nesse triste mês de outubro que se inicia, é pelo país que você ajudou a criar e por todo um povo que desaparece.
Há quem afirme que você, Osvaldo Aranha, que passou por tanta situação limite no horrendo e grandioso século XX, sempre esteve do lado certo da nossa História. Não sei se dá para colocar o golpe de 30 nessa conta, um golpe militar que, do Sul, você ajudou a articular e dar poder a Getúlio Vargas... A cadeira, você sabe, seria do nosso paulista Júlio Prestes, mas essa é outra história.
Ocorreu que você, chanceler nosso e de Vargas, dizem que até muito submisso a ele, foi importante demais para evitar que o Brasil entrasse na II Guerra Mundial ao lado da Alemanha. Nossos militares admiravam, bem sabemos, a imponência e força demonstrada pelos nazistas. Sorte a nossa que você estava lá, no momento certo, do lado certo dessa outra história.
Mas a história que poucos sabem, meu caro, e que quero trazer aqui, foi a que te deu nomeação ao prêmio Nobel da Paz em 1948 e que começa com a criação do Estado judeu de Israel.
Quis o destino e certo acaso que você estivesse presidindo a Assembleia Geral da ONU naquela fatídica tarde de novembro de 1947, dia em que foi votado e aceito pela organização a divisão da Palestina entre mulçumanos e judeus, criando o estado de Israel aos judeus, e para isso, sabemos, você articulou muito e é tido até hoje como um herói histórico pelo povo judeu.
Nessa época a Palestina era ocupada pelos britânicos e começou ali a tradição do Brasil sempre abrir as assembleias gerais da ONU. O Brasil “grande e em primeiro” como você prenunciou... É, parece que isso, ao menos, você conseguiu.
Seis meses depois, você lembra, com o apoio decisivo dos EUA, o estado de Israel estaria oficialmente criado e reconhecido pela comunidade internacional... Mas e a Palestina?
A Palestina não.
Jamais o povo palestino teve seu estado reconhecido, faltou nesse momento, pela própria ONU, uma vontade maior, dizem os especialistas, uma articulação que materialmente pudesse atender também às necessidades do povo mulçumano. E o resto é História, caro Aranha.
E a História tem sido de horror nesse pedaço de terra santa.
Mas se te escrevo nesse sangrento e triste começo de outubro de 2024, é para dizer que Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, recentemente declarou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, “persona non grata”. A ONU, que criou o Estado de Israel.
Faço votos de que você não esteja se revirando no seu vigoroso túmulo, eu estaria, confesso... Você, que sempre foi entusiasta do império americano e que o achava (inocentemente?) símbolo maior da Democracia, mas que no fim da vida se aproximou da China, da Rússia, e até do nosso Júlio Prestes... Sim, a História também é feita de desculpas e “mea-culpas”.
Sua morte em janeiro de 1960, tão reverberada lá fora, revelou que o mundo o conhecia mais que nós mesmos, talvez seja por isso que também te escrevo nesse momento de apagão geral. Dizem que a cada 15 anos o Brasil esquece o que aconteceu 15 anos atrás e, por isso, a importância de relembrar sua história, caro Osvaldo.
Certa vez você teria afirmado que nosso país “é um deserto de homens e ideias”, certo é que carecemos de homens como você, que eleva a história da Política e da Diplomacia, ainda que posições aqui e ali sejam controversas, como tudo é na vida de quem se arrisca a tomar as rédeas da História.
Quem por aqui brecará agora os instintos mais primitivos de uma extrema direita que dominou Israel nesse governo assassino de Netanyahu? Um governo que se utiliza de um direito de defesa para tentar se manter no poder e não ir rapidamente para o lamaçal da História.
Em Gaza, meu caro Aranha, são mais de 40 mil palestinos mortos desde o início da retaliação de Israel ao ataque terrorista do Hamas, naquele também triste outubro de 23. Sabemos que desde a década de 70 Israel segue, também, numa ocupação ilegal na Cisjordânia, e acaba de fazer seu maior ataque por lá em 20 anos. No mês passado, também, iniciou-se a invasão do Líbano onde já se soma quase 2 mil mortos, fechando o cerco contra todos os palestinos na região e intensificando aquilo que na História só há uma definição possível: Genocídio.
A invasão terrestre no Líbano no dia primeiro, que abre esse triste e sangrento mês de outubro, coloca Israel pela primeira vez frente a frente com o Irã, fazendo com que a guerra histórica entre eles, até então feita “por protocolo” (utilizando-se de grupos intermediários), chegasse à escalada atual que poderá criar a tal “guerra total” no Oriente Médio, com desmembramentos potenciais para uma nova guerra global (voltamos ao ponto inicial da ONU), isso, claro, até que o primeiro botão atômico seja acionado colocando o planeta inteiro a risco... Foi para isso, Aranha, foi para isso que criamos a ONU, Israel, e chegamos até aqui?
A História, que também é culpa e remorso, deve-lhe sinceras desculpas.
Por ela eu te peço, caro diplomata.
De poesia à ficção, Wil Delarte tem cinco livros autorais, além de publicações em diversas mídias e antologias. Também possui composições na área musical, com letras gravadas por artistas do Rock e da MPB. É idealizador do canal cultural Universos para Elos e escreve mensalmente a coluna 'Cartas para Ontem' , no Cotia e Cia