“Resolvi falar do Amor que, olhos nos olhos com o povo judeu, diria: sim, você tem o direito de existir. Do Amor que, face a face com o povo palestino, diria: sim, você tem o direito de existir”
Bandeiras de Israel e da Palestina. Foto: Reprodução / Governo Federal |
Por Wil Delarte*
Eu ia falar da guerra, do horror, da violência, mas resolvi falar do Amor.
Estava prestes a escrever sobre a polarização política e falta de empatia, apontando que estamos numa verdadeira crise que começa e termina na linguagem, que estamos perdendo terrivelmente a capacidade de se conectar com o outro pela linguagem, mas desisti.
Havia até anotado pensamentos que me levariam a escrever que o que começa com a polarização na linguagem (de um lado os “fãs do feijão por baixo”, do outro os “alucinados por catupiry e uvas passas”), essa infantilização da linguagem, ditada pela própria estrutura das plataformas das redes sociais e seus algoritmos, tudo isso fomenta a extremização e a mais radical negação do outro pela própria linguagem: o fascismo.
E com isso iria chegar, claro, na “extrema direita”, que domina Israel há um bom tempo, do terrorismo nos países árabes, que é fruto de um projeto para que ele exista, e chegaria, claro, na Palestina.
Mas falar da Palestina seria falar de uma causa esquecida pelo Ocidente, de um povo que vive entre a Cruz e a Espada: de um lado, o poder usurpado por um fundamentalismo que rebaixa as palavras de Maomé ao chão do ódio e, do outro, um país que é cria e fantoche do império americano e, também por isso, tem sua legitimidade de existência questionada por boa parte do oriente médio. Sim, fatalmente iria chegar em Israel.
Só que resolvi parar. Fazer a curva, e voltar.
Resolvi escrever sobre um Amor há tempos esquecido, não aquele amor palavra-gasta ou o amor pelo ódio dos reacionários.
Resolvi falar daquele: daquele Amor, lembra?
Do Amor que, olhos nos olhos com o povo judeu, diria: sim, você tem o direito de existir.
Do Amor que, face a face com o povo palestino, diria: sim, você tem o direito de existir.
Estava tentado a escrever sobre como é insano tomar partido na contagem de quem matou mais humanos, e foi aí que lembrei do que o Pastor Henrique Vieira, também artista e deputado, recitou em “Principia” do Emicida.
“enquanto houver Amor,
eu mudarei o curso da vida”
Eu lembrei e resolvi mudar a lente para um filtro em que Ele caiba, só Ele.
Porque, se não falasse do Amor, ia ter que escrever sobre o triste paradoxo que é termos um país ao mesmo tempo judeu e genocida. Mas temos um erro de linguagem aí, eu iria perceber.
O país pode ser de maioria judia, fundado por judeus, mas um país não é o seu governo. Então, nesse caso, seria então melhor mesmo falar do Amor que separa o joio do trigo e compreende que um povo há de ser mais.
Eu decidi, sim, falar do Amor, mas se falasse da guerra, deixaria um poema meu antigo falar sozinho sob o título de “Palestina”:
as guerras continuam as mesmas
os dois lados certos
os muros
a terra
a faixa
deus
mas pela primeira vez na televisão
crianças vêm decapitadas
em alta resolução
Eu iria falar dela, eu estava prestes a escrever sobre a guerra e “empatia seletiva”, que domina os nossos dias como mais um sintoma da polarização da linguagem, falaria que existe um caminhão de informações e opiniões desse tipo e de outros na internet, na tevê, mas resolvi falar do contrário de tudo isso, da radical empatia universal: do Amor.
Resolvi, então, que meu artigo apenas poderia dizer que amar seu filho e todos que se encaixam na sua caixinha de preferências e ressentimentos, de estereótipos e valores, é o mais simples e natural: um passo em direção ao Outro é que é a grande aventura.
E poderia, assim, falar do Amor de maneira bem direta, sem curvas ou atalhos, e terminar sublimando-o com toda a linguagem ao dar-lhe o nome de “Deus”.
Mas já não seria preciso.
De poesia à ficção, Wil Delarte tem cinco livros autorais, além de publicações em diversas mídias e antologias. Também possui composições na área musical, com letras gravadas por artistas do Rock e da MPB. É idealizador do canal cultural Universos para Elos e escreve mensalmente a coluna 'O Olho do Furacão no Cotia e Cia'