Cadê os direitos humanos dos policiais, Tarcísio? | O Olho do Furacão #10

“Nossos policiais estão à míngua, reféns de uma ideologização e politização estúpida da Segurança Pública, e há muito tempo. Nós não podemos perder a dimensão de trabalhador e civil desses servidores públicos. Então, pergunto: cadê a sociedade reivindicando direitos humanos aos nossos policiais?”

Governador Tarcísio de Freitas

O Olho do Furacão #10 (Por Wil Delarte)

A Operação “Escudo”, desencadeada pela Polícia Militar paulista com 600 agentes no Guarujá, após a morte do policial Patrick Bastos Reis no dia 28 de julho, tem gerado duras críticas ao governador Tarciso de Freitas e, ao mesmo tempo, um apoio caloroso de uma ala grande e ultraconservadora da sociedade. Como podemos ter visões tão diferentes e antagônicas de um mesmo fato?

De um lado, frases do tipo “bandido bom é bandido morto” ou “Direitos Humanos é para humanos direitos” formam o arcabouço de valores do que hoje entende-se por “bolsonarismo”, mas que há décadas em São Paulo já se revelava pelo nome de “malufismo”, termo cunhado a partir da gestão e influência de Paulo Maluf no estado (desde 1979), que sempre teve como política e jargão o famoso “A ROTA na rua e o bandido na cadeia”.

Do outro lado, a denúncia daquilo que é óbvio: a operação que, segundo a Ouvidoria da Polícia já aponta (até o momento de escrita deste artigo) para a morte de 19 pessoas, não encontra respaldo técnico da segurança pública, legalidade, respeito às regras da própria corporação e amparo dos direitos humanos. Mas eles, os “direitos humanos”, só valem para bandidos?

Essa questão, que nem é uma questão em si, turva todo o debate e percepção da sociedade, e aqui eu quero propor uma outra abordagem ou viés, o de que precisamos pensar com muita, mas muita seriedade nos direitos humanos dos nossos policiais.

Colocar os direitos humanos como uma faceta apenas de uma ala ideológica antagônica ao conservadorismo tem sido a tática da ultradireita há muito tempo por aqui, que praticamente se funda com a história dos bandeirantes no estado, passa por Paulo Maluf, bebe e se embriaga nos governos tucanos (28 anos seguidos) e desemboca no nosso ilustre carioca Tarciso de Freitas. Não é mesmo, Sr. Geraldo Alckmin?

Está aí algo que gostaria de saber: o que acha dessa operação no Guarujá o nosso ex-governador e atual vice-presidente do país, conhecido por aqui como “espancador de professor e estudantes”?. Ele que, em 2013, autorizou uma ação truculenta da polícia diante dos manifestantes do “Movimento Passe Livre”, e o resto da história vocês conhecem; ele que em 2015 e 2016 autorizou o espancamento de estudantes que protestavam contra fechamento de salas de aula, e o resto da história vocês conhecem; e como a História é irônica, farsesca ou redentora, hoje está também com a pasta do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio nas mãos. Mas essa é outra história.

Voltando ao caso do Guarujá, o sniper Erickson David, o ‘Deivinho’ (que nega envolvimento na morte do policial e foi preso nesse domingo 30 de agosto) chegou a gravar um vídeo onde dizia que iria se entregar, pedindo para que o governador Tarciso e Derrite (Secretário de Segurança) parasse com a “matança e perseguição contra sua família”.

Vale ressaltar que Derrite também é capitão e ex-deputado federal, além de militante convicto da “letalidade policial” e, como “algoz” nesse momento, tem o denunciador e ouvidor Cláudio Silva, filiado ao PT, ativista dos Direitos Humanos, Movimento Negro e Hip Hop. Eis então mais um tempero para o alçapão do Fla-Flu ideológico onde a maioria insiste em cair.

Reclama-se que não se fala de um policial morto por um bandido com a mesmo clamor do que quando um policial mata o mesmo bandido. Isso tem uma razão: simplesmente porque o que esperamos do criminoso é o crime. Não há espanto numa notícia assim. Porém, o oposto, uma polícia assassina, naturalmente torna-se uma notícia mais relevante, justamente porque ela é o braço que o Estado deu a incumbência da exclusividade do uso da força e da violência, quando necessárias, e para esse “necessário” existem Leis, valores constitucionais, regras e boas práticas.

Mas o que quero frisar aqui, e já chamo atenção desde o título, é que nossos policiais estão à míngua, reféns de uma ideologização e politização estúpida da Segurança Pública, e há muito tempo. Nós não podemos perder a dimensão de trabalhador e civil desses servidores públicos. Então, pergunto: cadê a sociedade reivindicando direitos humanos aos nossos policiais?

Sim, direitos humanos é um conceito amplo e abarca toda a espécie humana, classes, gêneros, profissões, e, por isso, também pergunto: há alguma lógica associar direitos humanos à bandidagem? Percebem? A quem interessa essa percepção distorcida? Respondo: a quem tem como projeto de nação o extermínio e marginalização de uma parte da população, que vocês sabem bem a cor e a origem.

Ao invertermos a posição da reivindicação, percebemos que sim, nossos policiais estão destituídos de direitos (e aqui também entra os de elite como os da ROTA), sobretudo, de direitos humanos, e a falta desses direitos começa na insegurança que plantamos ao ideologizar a prática da segurança pública, ao criminalizar o uso das drogas, jogando à Segurança um problema que é da Saúde, expondo-os ao risco de morte diuturnamente, sem inteligência policial e investigativa, muitas vezes menos armados que o crime organizado, com falta de equipamentos e com salários insuficientes para manter sua família e, assim, mais facilmente suscetíveis à corrupção.

Quando, movido por vingança corporativa e ódio ideológico, uma operação entra na comunidade torturando pessoas e com a promessa de matar no mínimo sessenta delas (como a Ouvidoria, e faixas de protestantes nesse 03 de agosto, denunciaram), sem amparo técnico e planejamento, ela está desconsiderando por completo o direito humano do policial, retirando sua dignidade e segurança no trabalho, expondo-o a um perigo desnecessário e ferindo seu direito à vida, o maior de todos os direitos.

Dos 19 mortos nem precisamos enfatizar, a desconsideração de uma possível humanidade dos criminosos e dos ali inocentes é latente, é banal, a questão é que estou chamando a atenção para o, também, óbvio: quem apoia uma operação como essa, quem se entusiasma com uma polícia treinada para matar, não está considerando, nem enxergando minimamente, a humanidade dessa mesma polícia, de trabalhadores, de homens e mulheres tão importantes para o funcionamento da nossa Democracia.

E aí está outro ponto: de tão importante à Democracia, já passou do momento da nossa polícia ser completamente desmilitarizada. Ou nesse 8 de janeiro não foram eles mesmos, os militares do Exército que, complacentes com os manifestos antidemocráticos, estavam mais uma vez sondando o poder e afrontando nossa Constituição?

Eu quero sim, direitos humanos para todos. Que a Justiça seja bem aplicada quando alguém cometer um crime, e que ao criminoso seja respeitado seu direito à defesa, ao contraditório, ao devido processo legal, e, sobretudo, aos direitos humanos. Que nossa juventude pobre e preta sobreviva a essa doença ideológica nas corporações policiais, e que eles, os policiais, tenham dignidade e direitos humanos como parte de sua farda; e nela, as câmeras acopladas que tanto já tem ajudado na segurança dos próprios policiais por aqui.

Desmilitarizar a polícia é ir no âmago da questão, na formação, na visão distorcida que os militares tem da História e que, anacronicamente até hoje, por exemplo, pregam a luta contra um monstro ilusório chamado “comunismo”. Os livros de formação da nossa Polícia desmilitarizada tem que contar a História em toda sua amplitude e contradição, ter o Humanismo como pano de fundo e a Democracia como valor supremo. Isso também serve para a formação dos nossos soldados do Exército, Aeronáutica e Marinha.

O culto ao obscurantismo precisa terminar nesse país. O culto à morte de pobres e marginalizados tem de sumir do nosso mapa. A morte de inocentes e de policiais em operações movidas por ódio, ideologia e vingança, tem que ser combatida. Políticos populistas, como Tarciso de Freitas que, nesse momento, abraça oportunamente o que a sociedade tem de mais reacionário para garantir voto futuro, também precisam desaparecer. São Paulo não merece vocês, chega!


De poesia à ficção, Wil Delarte tem cinco livros autorais, além de publicações em diversas mídias e antologias. Também possui composições na área musical, com letras gravadas por artistas do Rock e da MPB. É idealizador do canal cultural Universos para Elos e escreve mensalmente a coluna 'O Olho do Furacão no Cotia e Cia'




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