Sem direito a férias e 13º: a contratação de professores como PJ em creches de Cotia

Cotia e Cia ouviu um especialista que apontou irregularidades na contratação de professores por terceirizadas no município; veja o que disse uma das organizações sociais; juntos, contratos somam mais de R$ 40 milhões

Creche do Arakan. Foto: Divulgação / Prefeitura de Cotia 


Professores contratados como Pessoa Jurídica (PJ), em quatro creches de Cotia administradas por organizações sociais (OSs), ficam sem gozar férias e também sem direito ao 13º salário. Aliás, eles não têm nenhum benefício, já que são prestadores de serviço contratados pelas terceirizadas.

Os centros educacionais administrados por OSs são: CE Antônio Mansur, que fica no Parque Miguel Mirizola, e o CE Maria Martinha dos Santos, localizado no Jardim São Vicente. Esses dois são geridos pelo Instituto Anima, cuja sede fica em Barueri.

Já o CE Arakan, no Parque Turiguara, e o CE Benedicta Stefano Antunes de Oliveira, em Caucaia do Alto, são administrados pelo INSB (Instituto de Integração Social de Barueri).

Veja abaixo os valores dos contratos com vigência de 12 meses cada:

Creche do Jd São Vicente (Instituto Anima): R$ 3 milhões

Creche do Mirizola (Instituto Anima): R$ 13 milhões

Creche de Caucaia (INSB): R$ 10 milhões

Creche do Arakan (INSB): R$ 15 milhões


SEM DIREITOS E COM ATRASO

Os professores contratados abrem um MEI (Micro Empreendedor Individual) e emitem nota fiscal. Apenas. Com isso, não há registro em carteira, o que faz com que eles não tenham direito a nenhum benefício. O pagamento mensal é de R$ 1,8 mil por 30 horas semanais (27h em dias de semana e 3h divididas aos sábados).

Como se não bastasse, o pagamento mensal ainda vem sofrendo atraso, conforme relato de uma das profissionais. “Há 3 meses, nós professores estamos passando por situações desagradáveis, como por exemplo, o atraso de salários. O mesmo era pago todo dia 30 de cada mês e, desde então, não estão sendo mais pagos no dia correto. Já tentamos organizar algumas reuniões junto à supervisora, mas até o momento, não fomos atendidas. Foi enviada uma carta ao presidente da escola no Dia dos Professores, relatando toda essa situação, e não obtivemos resposta também.”


IRREGULARIDADES

Para o advogado e especialista em leis trabalhistas, Marcus Borges, esse modo de contratação por PJ expõe diversas irregularidades. “A empresa está fazendo com que os professores abram CNPJ para se esquivar das responsabilidades fiscais. Eles vão na contramão das regras do artigo 9º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que torna isso nulo. É uma ação totalmente irregular por parte da terceirizada”, avalia.

O artigo 9º da CLT diz que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. “O intuito da empresa terceirizada é fraudar a legislação trabalhista. Inclusive, pode responder criminalmente pelo Ministério do Trabalho”, acrescenta Borges (VEJA MAIS NO VÍDEO ABAIXO).



Essas mesmas condições de contratação na área de educação já foram parar na Justiça. Um dos exemplos ocorreu em Goiás, em 2020. Um professor de Educação Física conseguiu na Justiça o reconhecimento de vínculo empregatício, após ser contratado como pessoa jurídica (PJ) e receber salário inferior a professores celetistas.

O docente conseguiu comprovar o vínculo e a dispensa sem justa causa. Ele havia sido contratado em fevereiro de 2019 e teve o contrato encerrado em junho de 2020. A instituição usou como justificativa para a demissão a pandemia de Covid-19. Por ter sido contratado como PJ, ele não recebeu as verbas contratuais e rescisórias. A juíza do caso condenou, então, a escola a pagar todas as verbas trabalhistas referentes ao período de trabalho.

O advogado do professor explicou a um portal de notícias da região que o trabalhador foi compelido pela empresa a constituir pessoa jurídica. Uma das comprovações disso é que ele só teve o CNPJ instituído dois dias após sua contratação. A instituição de ensino negou o vínculo empregatício e afirmou que não havia diferenças entre o trabalho prestado por professores de serviço autônomo e celetistas, como alteração salarial.

A magistrada, no entanto, entendeu que “a contratação do reclamante por meio de pessoa jurídica prestadora de serviço educacional se deu com o intuito de fraudar a legislação trabalhista”. A diferença salarial foi comprovada pelo professor, que conseguiu mostrar que recebia salário inferior aos docentes celetistas.

OUTRO LADO

A reportagem procurou as duas organizações sociais para comentar o assunto, mas apenas o Instituto Anima respondeu. De acordo com a organização, a contratação de professores na condição de prestadores de serviço foi realizada “de forma regular e em total obediência a lei, a qual não atinge, de forma cumulativa, os requisitos exigidos pelos artigos 2º e 3º, ambos da CLT”.

“Desta forma, não há de se falar em qualquer nulidade quanto a contratação já que inexiste qualquer desvirtuamento, impedimento ou fraude a legislação trabalhista. Até mesmo porque o contrato de prestação de serviço é modalidade de contratação legalmente previsto e regido pelas regras entabuladas pelo Código Civil, em que as partes celebram um acordo mútuo de vontades”, pontuou.

O Instituto ainda ressaltou que, antes de efetivar a contratação, sana todas as dúvidas e esclarece os detalhes da modalidade, bem como todas as obrigações e deveres a serem cumpridos por ambas as partes. “Sendo ainda, importante frisar que a contratação é firmada, sempre, por livre e espontânea vontade entre pessoas capazes e esclarecidas, inclusive com formação a nível superior”, disse.

FISCALIZAÇÃO

Sobre possíveis irregularidades, Marcus Borges lembra que a responsabilidade de fiscalização é da Prefeitura de Cotia. Caso isso não ocorra como previsto em lei, a administração municipal pode até responder juridicamente.

“Quando o município deixa de fiscalizar as contratações, torna-se um prejuízo. É um dever de quem contrata a exigência do cumprimento do contrato. Seja a prefeitura ou ente privado que contrata terceirizada, o contratante tem o dever de fiscalizar, porque pode acarretar prejuízo a longo prazo”, explica.

Veja abaixo o vídeo



Procurada, a Prefeitura de Cotia não retornou o nosso contato.
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