Alguns apoiadores de Bolsonaro não aceitaram o resultado das urnas neste domingo (30); veja
Foto: Arquivo Nacional |
Alguns apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas urnas neste domingo (30), não aceitaram a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito com 50,90% dos votos válidos, e reivindicam o artigo 142 da Constituição Federal.
O artigo 142 diz o seguinte: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
Na interpretação dos bolsonaristas, o artigo autoriza a intervenção das Forças Armadas, mas não é bem assim, segundo constitucionalistas.
O artigo 142 não trata de divisão entre os poderes, mas descreve o funcionamento das Forças Armadas. E, segundo constitucionalistas, em nenhum momento ele autoriza qualquer poder a convocá-lo para intervir em outro.
À BBC News, Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), diz que "essa interpretação de que esse artigo seria uma autorização para uma intervenção militar é absurda".
"É como se a Constituição previsse sua própria ruptura, e logicamente é algo que não faz sentido. É uma interpretação jurídica, política e logicamente insustentável", disse ele.
A professora de direito Vania Aieta, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), explica que o fato de o artigo estabelecer as Forças Armadas sob a autoridade do presidente da República permite que ele o acione em caso de guerra com outros países, ou em casos como auxílio à grandes eventos, como na Copa do Mundo. Mas, não dá à ele, o direito de intervir em outros Poderes — muito pelo contrário, diz explicitamente que "são instituições nacionais permanentes e regulares" destinadas à "garantia dos poderes constitucionais", não à intervenção neles.
A Secretaria-Geral da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados já havia emitido um parecer, em 2020, esclarecendo que o artigo 142 da Constituição Federal não autoriza uma intervenção militar a pretexto de “restaurar a ordem”.
“Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional”, diz o documento.
Segundo o parecer, trata-se de "fraude ao texto constitucional" a interpretação de que as Forças Armadas teriam o poder de se sobrepor a “decisões de representantes eleitos pelo povo ou de quaisquer autoridades constitucionais a pretexto de ‘restaurar a ordem’".