Cotia corta convênio com associação e 70 crianças com deficiência ficam sem atendimento

Pais foram pegos de surpresa com a informação e entraram na Justiça contra a Prefeitura de Cotia; entenda

Abrahipe atende por meio de interação homem/animal e presta serviços socioassistenciais a crianças e adolescentes com necessidades especiais. Foto: Reprodução / Abrahipe

Reportagem: Neto Rossi

Um grupo de pais com filhos deficientes entrou na Justiça nesta segunda-feira (24) para buscar explicações da Prefeitura de Cotia por ter cortado o convênio com a Associação Brasileira de Hippoterapia e Pet Terapia (Abrahipe), localizada na Granja Viana. Eles foram surpreendidos, neste mês de janeiro, ao receberem a notícia da associação durante uma reunião virtual. Ao todo, 70 crianças com necessidades especiais não terão mais o atendimento (veja no final da reportagem o que diz a Abrahipe). 

Para o advogado autor da ação, Gilberto Ap. Luna Gomes, a situação enseja “extrema gravidade”. Segundo ele, não há, por parte da prefeitura, nenhuma alternativa para a continuidade das terapias das crianças atendidas. “Com o tratamento interrompido, causará grave prejuízo ao desenvolvimento intelectual e motor das crianças”, cita.

Dois dias após a publicação desta reportagem, a Prefeitura de Cotia enviou uma nota ao Cotia e Cia esclarecendo o motivo de não ter renovado o convênio com a associação. A nota pode ser lida AQUI ou no final da reportagem. 

Fundada em 2006, a associação atende por meio de interação homem/animal e presta serviços socioassistenciais a crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), paralisia cerebral, síndrome de down, entre outras deficiências, sempre com o objetivo de promover a sua inclusão à vida comunitária.

A equipe é formada por profissionais de diversas áreas, como saúde, educação, assistência social e voluntários com o objetivo de proporcionar vivências para o alcance da autonomia e inclusão social aos atendidos.

Foto: Divulgação / Abrahipe 


PAIS SE SENTEM DESAMPARADOS

O casal André Luiz Teixeira e Juliana de Oliveira Cândido Teixeira tinham dois filhos assistidos pela instituição. Alícia é a mais velha, hoje com 12 anos. Ela participava das atividades da associação desde quando tinha entre 5 e 6 de idade. Agora, com o corte do convênio, os pais ficaram sem ter o que fazer.

“Meus filhos não tem assistência alguma no município. A única que tem é o Caps Infantil, que tem o psiquiatra. Mas sem a Abrahipe, não tem nada mais que seja oferecido pela prefeitura”, lamenta André.

Alícia, que tem paralisia cerebral e características autistas, tinha muita dificuldade de se locomover. Foi com a hipoterapia, segundo a mãe, que ela começou a desenvolver melhor a sua coordenação motora.

“Quando ela entrou na Abrahipe, ela ainda não andava direito, ela tinha muita dificuldade física e de coordenação motora. Para ela, foi maravilhoso, isso sem contar a questão social, com o contato visual com outras pessoas, com os animais. Foi muito importante para ela”, diz Juliana.

O filho mais novo do casal, Valentin de Oliveira Cândido Teixeira, que vai fazer 4 anos, é autista. O primeiro convívio dele com outras pessoas foi na Abrahipe. “Ele não estava indo para a escola, não estava tendo contato com outras crianças, o contato que ele teve foi com os profissionais de lá e com as crianças de lá. Pra ele, foi fundamental todo esse suporte”, explica Juliana.

Juliana e André com seus dois filhos, Valentin e Alícia. Foto: Arquivo pessoal 


Ildeu Rodrigues Costa também tem uma filha autista que fazia tratamento na Abrahipe. Bruna Nayara Peixoto, de 12 anos, entrou na associação pouco antes da pandemia, mas os resultados da evolução da menina já foram bastante evidentes.

“Ela estava se desenvolvendo muito bem. A terapia estava fazendo muito bem para ela. Veio a pandemia e sem a terapia ela acabou tendo uma regressão. A gente estava aqui torcendo para começar o ano para ela poder voltar ao atendimento, mas aí aconteceu esse problema aí”, relata Ildeu.

Com o corte do convênio, assim como Juliana e André, ele também não tem outras opções. “Eu fiquei muito abatido, porque o único tratamento que ela estava fazendo e que eu estou vendo desenvolvimento era na Abrahipe. Agora, eu estou aqui sem saber o que fazer.”

Bruna Nayara Peixoto, 12 anos. Foto: Arquivo pessoal 

Francisca Francisneide Costa aguardava o início do ano com muita expectativa, já que seu filho, João Pedro, de 9 anos, iria começar o tratamento na associação. Mas todo seu esforço para conseguir uma vaga ao seu filho, que é autista, na instituição, foi por água abaixo.

“Durante a pandemia dei entrada nos documentos que eles exigem. Tem todo um trâmite com Cras, assistente social ... aí consegui a vaga para ele. Ele estava participando dos eventos online [da Abrahipe] e estávamos ansiosos para iniciar o ano e ele ter o início do tratamento lá. Não foi fácil conseguir uma vaga lá para ele. Passei por toda essa burocracia para nada”, lamenta.

Francisca com seu filho João Pedro. Foto: Arquivo pessoal 

OUTRO LADO 

O convênio com a Abrahipe era renovado anualmente. Mas segundo a reportagem apurou junto à instituição nesta segunda-feira (25), a prefeitura alegou que a associação não estava com todos os documentos em dia. A Abrahipe negou, a princípio. 

A informação sobre o corte do convênio foi transmitida durante uma reunião online com a Abrahipe.

Já nesta terça-feira (25), um dia depois da publicação desta reportagem, a Abrahipe disse em nota que a renovação do convênio não aconteceu "por divergências burocráticas" com o Conselho Municipal de Assistência Social de Cotia. "A Prefeitura de Cotia está prestando toda assistência necessária ao caso", diz a nota.

Mas questionada sobre qual seria essa divergência burocrática, a Abrahipe não quis comentar. Já a prefeitura enviou uma nota ao Cotia e Cia nesta quarta-feira (26), dois dias após a publicação desta reportagem. Confira a nota na íntegra abaixo. 

Nota sobre encerramento da vigência da parceria com a ABRAHIPE

A Prefeitura de Cotia esclarece que a parceria com a Organização da Sociedade Civil (OSC) ABRAHIPE prevê atendimento contínuo de seus assistidos. A renovação desta parceria é anual, mediante análise de documentos realizada pelo Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS. Diante disso, a Prefeitura informa que esta parceria com a ABRAHIPE encerrou o prazo de vigência em dezembro de 2021.

Antes, em novembro de 2021, a Prefeitura lançou um edital de chamamento público com a finalidade de selecionar propostas para a celebração de parcerias. Durante este período, a ABRAHIPE recebeu parecer desfavorável do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS sobre a sua inscrição para o ano de 2022, por meio da Comissão de Análise de Documentos, ressaltando que o CMAS é um órgão paritário composto por representantes do poder público e da sociedade civil, justamente por conselheiros representantes das Organizações da Sociedade Civil eleitos entre si. À época do lançamento do edital, não houve outros concorrentes (OSC’s) interessados no chamamento público.

A Comissão de Análise de Documentos do CMAS baseou a sua decisão na Resolução 172 que normatiza a renovação de inscrição no (CMAS), art. 8º, incisos II e X, portanto, por motivos eminentemente legais a comissão entendeu que a documentação da ABRAHIPE não preencheu os requisitos necessários à pretendida renovação. A decisão foi ratificada pela plenária do CMAS, uma vez que a ABRAHIPE não cumpriu a legislação vigente.

Vale informar que no decorrer da tramitação do processo de renovação da inscrição do CMAS, a referida Comissão de Análise de Documentos realizou duas reuniões com representantes da ABRAHIPE assim como efetuou apontamentos para adequações por 03 vezes, conforme determina a legislação.

Transposta a fase de renovação de inscrição junto ao CMAS, conforme preconiza a legislação qualquer organização da sociedade civil poderá solicitar pedido de inscrição junto ao CMAS, outrossim, a ABRAHIPE poderá obter sua nova inscrição para o novo Serviço de Inclusão para Pessoas com Deficiência mediante a regularização dos seus documentos, bem como também poderá participar dos próximos editais no caso de efetiva inscrição no CMAS.

Em breve um novo edital deverá ser lançado para atender o público de acordo com o número de vagas ofertadas para execução do Serviço de Inclusão para pessoas com deficiência, principalmente considerando que o número de vagas previstas no edital de chamamento público citado não foi preenchido por ausência de concorrentes habilitados para a celebração de parceria nos termos da lei.

A Prefeitura de Cotia, por seus diversos órgãos e repartições, como no caso juntamente com o CMAS, tem continuamente empenhado esforços para o melhor atendimento dessa e outras demandas visando atender a população de maneira cada vez mais acessível e inclusiva.

(ESSA REPORTAGEM FOI ATUALIZADA ÀS 11H21 DO DIA 25/01/2022 E ÀS 14H33 DO DIA 26/01/2022 COM AS NOTAS DA ABRAHIPE E DA PREFEITURA DE COTIA, RESPECTIVAMENTE)


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